Descrição
No limiar do século XX, o jovem Henri Matisse oferece um pedaço revelador da sua incipiente carreira artística com "Natureza Morta com Livros" (1895), uma obra que, sem dúvida, antecipa elementos-chave da sua evolução estilística e conceptual. Este óleo sobre tela, com as suas modestas dimensões de 57x46 cm, capta um momento de introspecção e simplicidade do quotidiano através da representação de objectos domésticos.
A composição de “Natureza morta com livros” caracteriza-se por uma disposição meticulosa de elementos comuns: livros, um abajur e objetos do cotidiano apoiados sobre uma mesa. A construção espacial, porém, não se limita à mera justaposição de figuras; Matisse brinca com linhas e formas para criar um equilíbrio sutil entre planos, cada objeto parece participar de um diálogo silencioso com os demais. Esta abordagem meticulosa manifesta uma das primeiras obsessões do artista: a procura da ordem e da harmonia visual, que posteriormente desenvolveria com maior liberdade e ousadia nas suas fases posteriores.
O uso da cor nesta obra, embora contido e sóbrio em comparação com as vibrantes experiências cromáticas dos seus anos fauvistas, já sugere um domínio precoce do contraste e da luz. Os tons predominantemente terrosos, verdes e ocres envolvem a composição em uma atmosfera de calma reflexiva. A iluminação, suavemente direcionada, acentua a textura dos livros e demais objetos, despoja sua materialidade e confere ao espectador uma dimensão tátil, como se pudesse tocar as superfícies retratadas.
Ao contrário de outras obras dos seus contemporâneos impressionistas, inclinadas à representação de cenas ao ar livre e à captação da luz natural, Matisse em “Natureza Morta com Livros” entra num espaço íntimo e fechado, preferindo a observação atenta dos objectos que o rodeiam. Esta escolha sublinha o seu interesse pelo mundano e pelo quotidiano, apresentando estes temas com uma dignidade estética que os transcende.
A nível técnico, esta pintura evidencia a formação académica de Matisse, que nessa altura ainda funcionava sob a influência dos seus estudos na École des Beaux-Arts de Paris. No entanto, já se percebe uma preocupação em quebrar as convenções do realismo estrito, explorando com uma certa simplicidade as formas e as cores, prenunciando o seu posterior e radical estilo fauvista.
Embora os personagens vivos não figurem nesta composição, os livros e objetos parecem imbuídos de uma presença humana implícita, sugerindo a vida intelectual e emocional de seu dono. Estes elementos falam de uma curiosidade que ultrapassa o pitoresco, um olhar que procura captar o espírito do ambiente pessoal.
Henri Matisse, ao longo de sua carreira, se destacaria pela capacidade de se reinventar e explorar novos caminhos. "Natureza morta com livros" é um testemunho de seus primeiros passos em direção a um domínio que redefiniria o curso da arte moderna. Esta obra, embora menos graciosa em termos de reconhecimento em comparação com as suas pinturas icónicas posteriores, é fundamental para compreender a génese da sua linguagem artística, oferecendo ao espectador uma janela fascinante para o processo evolutivo de um dos gigantes da arte do século XX.